segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Orçamento austero de Portugal privilegia interesse da banca

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POR Maurício Hashizume - Coimbra

«Coimbra (Portugal) – Depois de semanas de anúncios desastrados e recuos superficiais, marcados por um intenso clima de hostilidade – existente até mesmo dentro do bloco governista, mas que ganhou corpo principalmente na miríade de massivos protestos populares e aglutinadorasmanifestações culturais contrárias às chamadas políticas de austeridade -, a população portuguesa finalmente conheceu a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2013 de responsabilidade da coalizão direitista, constituída pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS-PP) e liderada pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (PSD). 

E como já era de se esperar, os atuais governantes da terra lusitana apresentaram à nação um típico pacote combinado de aumento expressivo e generalizado de variados impostos (com especial foco na retenção dos rendimentos do trabalho, com restrições proporcionalmente mais dramáticas para quem recebe salários menores) e de redução de garantias sociais (seja por meio de cortes em pensões e na ajuda aos desempregados, pela dispensa preliminar de servidores ou da ampliação da idade mínima para a aposentadoria no serviço público, que passou de 63,5 para 65 anos). 

"Esta proposta para o Orçamento é a única possível na sequência do quinto exame regular [feito pela troika, trinca de instituições formada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE)]”, declarou o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, aos jornalistas que compareceram à coletiva de imprensa após a entrega do OE 2013 à Assembleia da República, nesta segunda-feira (15). “Não temos qualquer margem de manobra. Pôr em causa o orçamento é pôr em causa o próprio programa de ajustamento. Recuar agora, e desperdiçar todos os esforços que fizemos para ganhar credibilidade externa, seria incompreensível”.

Enquanto o ministro respondia as perguntas dos profissionais dos veículos de comunicação, centenas de manifestantes se concentraram em frente à Assembleia da República para protestar contra os cortes que penalizam particularmente a classe trabalhadora e o contingente de pensionistas. A Polícia avançou sobre algumas pessoas; houve feridos. Desde que a primeira medida polêmica deste novo Orçamento foi anunciada no início de setembro, cidadãs e cidadãos comuns, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, centrais sindicais e representantes de partidos de oposição têm organizado e promovido diferentes atos públicos contra as diretrizes e medidas governamentais. 

O clamor das ruas chegou a provocar reações do patriarca da Igreja Católica em Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, disse que não se resolve nada com grandes manifestações que, para ele, servem para a “corrosão da harmonia democrática”. De sua parte, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) apresentaram moções de censura ao governo. Ambas acabaram sendo reprovadas, pois PSD e CDS-PP votaram contra e o Partido Socialista (PS), principal agremiação da oposição que apoiou o memorando de resgate firmado com a troika em 2011, deliberou pela abstenção.

Nas cerimônias da Proclamação da República, no dia 5 de outubro, sucederam-se mais um conjunto de episódios que contribuíram para aumentar o constrangimento em torno do governo. O presidente da Câmara de Lisboa, António Costa (PS), aproveitou a ocasião para cutucar os adversários políticos que negam a existência de alternativas. O político sugeriu que "o fatalismo e a resignação" sejam sacudidas. Para ele, a tentação de querer fundar a competitividade de Portugal “na mão de obra barata e desqualificada” e “na perda constante de rendimento e de direitos” é uma “lógica do passado à qual não podemos voltar”. Na visão dele, a aposta por este caminho foi um “erro colossal”, com custos gravosos para o desenvolvimento de Portugal, que gera efeitos negativos até hoje.

Também presente às cerimônias, o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (PSD), cometeu primeiro uma gafe ao içar a bandeira portuguesa com o brasão voltado para baixo e, em sua fala, limitou-se a sublinhar a centralidade da educação da juventude e da garantia de condições para que sejam oferecidas condições para que vivam em Portugal e não tenham que emigrar. O discurso presidencial foi interrompido por uma senhora que entrou no recinto onde ocorria o evento de forma inesperada espalhando gritos de desespero diante das dificuldades que têm enfrentado. Outra manifestante preferiu exibir os seus dotes líricos para exprimir a sua indignação: encheu o Pátio da Galé com seu canto de resistência.

Privatizações
O Orçamento de 2013 e as erupções de contrariedade com relação aos rumos que vêm sendo tomados tem como pano de fundo as privatizações, opina a deputada Catarina Gomes (BE). Em conversa com estudantes da Universidade de Coimbra no início deste mês, ela ressaltou que as políticas de austeridade, em especial por meio das privatizações, implicam efetivamente numa transferência cada vez maior de recursos econômicos e de poder político do Estado para as mãos de poderosos agentes particulares. 

Puxam a fila das próximas privatizações do governo do primeiro-ministro Passos Coelho a empresa aérea TAP e a ANA - Aeroportos de Portugal para o início do ano que vem. Espera-se também a venda da CTT – Correios de Portugal em 2013. Há rumores ainda da privatização (ou concessão) da empresa estatal de comunicação social RTP e até da instituição bancária Caixa Geral de Depósitos (CGD). Nesse sentido, a figura do conselheiro do governo António Borges, ex-funcionário da Goldman Sachs, tem exercido um papel estratégico nesses processos de leilão de ativos públicos. 

Curiosamente, a “eminência parda” ganhou as manchetes ao classificar como “ignorantes”, que “não passariam do primeiro ano do meu curso na faculdade”, os empresários portugueses que foram contra alterações tributárias - que foram propostas e posteriormente descartadas pelo governo - que sobretaxavam a mão de obra e aliviam a carga sobre a totalidade dos patrões.

No entendimento da deputada, a austeridade é “estúpida” pois, além de não reduzir a dívida, faz com que o país abdique do seu futuro. “Trata-se de um ataque à economia e à democracia”. Mesmo depois de seguidas medidas austeras desde que o memorando com a troika foi assinado, a relação da dívida com relação ao Produto Interno Bruto (PIB) permanece bastante alta, na faixa dos 110%. Em 2012, o país pagou mais em serviço da dívida do que a somatória dos investimentos em educação.

Os salários nominais, de acordo com Catarina, recuaram ao patamar de 14 anos atrás. As taxas altas de desemprego (16,4% em 2013, conforme projeção do próprio governo), o alastramento do subemprego e a grande parcela daqueles que não têm assistência social alguma têm multiplicado o segmento de pessoas em situação precária. Seguidos e profundos vêm sendo os cortes nas verbas para a saúde e a educação. O dinheiro público destinado à cultura, que já foi de cerca de 0,6% do PIB, resume-se atualmente a 0,1%. Nem de um ministério específico a área dispõe mais. “O que acontece a um país sem educação, saúde e cultura?”, indaga a deputada do BE. “Ainda que acreditássemos que a dívida estivesse sendo paga, que país, afinal, estamos construindo?”

Mesmo diante do cenário incômodo, a parlamentar enxerga sinais significativos de reação. Segundo ela, cada vez mais vozes se levantam contra as políticas de austeridade em diversos países da Europa e em outras partes do mundo. O capital, enfatiza a congressista, avança sobre tudo e conquistas relacionadas a lutas sociais históricas estão sendo perdidas. “Após [as manifestações de] 15 de setembro [quando centenas de milhares participaram se juntaram a ações públicas de reprovação ao receituário aplicado pelo governo], o medo começou a mudar de lugar. O caminho [do arrocho aos trabalhadores] não é um caminho. É um buraco”.

Mobilizações
O período dos últimos 30 dias, destacou Catarina Gomes, tem sido o mais intenso em termos de protestos desde a Revolução de 25 de abril de 1974. ”As mobilizações têm que ser mantidas. Sempre existem alternativas políticas”. Afirmar que não é possível escolher é, na perspectiva da política, uma forma de escolha para tentar reforçar a teoria cruel, recessiva e meticulosa de que os portugueses viviam “acima de suas possibilidades”. 

O Bloco de Esquerda propõe a auditoria e a renegociação da dívida – apenas com instituições da União Europeia, sem envolvimento do FMI. O partido aposta ainda no estímulo ao crédito para fazer fluir a “economia real”, como nos setores de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, além de áreas estratégicas como agricultura. “Mas a lógica do governo é a do fim do Estado Social. Atacam principalmente a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde”, critica a futura líder partidária, que dividirá, a partir do próprio mês de novembro, o comando paritário com João Semedo. O País, reitera a deputada, não é uma planilha de Excel. “Pagamos mais impostos do que nunca, mas o Estado continua a receber pouco. As receitas diminuíram porque a recessão faz o país se retrair”, complementa.

Com o intuito de consolidar não apenas propostas avulsas, mas um pensamento amplo e articulado de alternativas à austeridade, também foi convocado e promovida o primeiro grande encontro do Congresso Democrático das Alternativas (www.congressoalternativas.org), no último dia 5 de outubro. Aprovada por um conjunto de cerca de 1,7 mil pessoas que estiveram na Aula Magna da Universidade de Lisboa, a declaração finalreitera que está demonstrado que “políticas de austeridade assentes na punição dos rendimentos do trabalho, no desmantelamento dos serviços públicos e na redução do investimento e do consumo não são uma solução, são antes um problema grave”. “Recessão profunda, falências de pequenas e médias empresas, desemprego massivo, incapacidade de superar o descontrolo das finanças públicas, aumento da precariedade laboral, desigualdades e injustiças sociais crescentes, economia sem procura, desmembramento da sociedade, emigração e falta de confiança no futuro — eis alguns dos resultados mais nocivos de uma governação que oprime”, continua o documento que conta com apoio de acadêmicos, estudantes, ativistas e de personagens como o ex-candidato à Presidência da República Manuel Alegre e a jornalista, escritora e tradutora espanhola Pilar del Rio, companheira do falecido autor português José Saramago, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1998. 

Inicialmente, foram escolhidos cinco objetivos fundamentais da alternativa: 1) retirar a economia e a sociedade do sufoco da austeridade e da dívida: denunciar o memorando da troika; 2) desenvolver a economia para reduzir a dependência externa, valorizando o trabalho e salvaguardando o ambiente; 3) defender o Estado Social e reduzir as desigualdades; 4) construir uma democracia plena, participada e transparente; e 5) dar voz a Portugal na Europa e no mundo. As futuras ações têm o propósito de “defender um compromisso comum de convergência, que ajude a viabilizar uma governação alternativa em torno de princípios abrangentes e claros como os sugeridos na Declaração do Congresso, por parte das forças políticas democráticas que decidam apresentar-se a eleições”.

Um dia depois da apresentação do Orçamento de Estado de 2013, Jorge Moreira da Silva, primeiro vice-presidente do PSD, ocupou canais de televisão para confirmar com todas as letras que o Orçamento encaminhado ao Parlamento tem uma “reduzida margem de manobra” por um motivo muito simples, óbvio e direto: já foi previamente negociado com a troika. Nesse contexto em que agentes financeiros externos literalmente determinam um dos instrumentos mais importantes para o funcionamento de um país, a conseqüência não poderia ser diferente: profunda insatisfação e frustração populares. Repetindo a “gafe” da cerimônia da República, alguém de passagem por Coimbra fixou uma bandeira portuguesa com o brasão de cabeça para baixo na lateral de seu furgão, com a seguinte “legenda”: “O Estado da Nação”. Quando o atendimento às instituições internacionais é priorizado em detrimento dos interesses do próprio povo, o país realmente parece estar de cabeça para baixo.»

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